A Cidade de São Paulo acordou ontem (3) com a notícia da abertura, na Câmara Municipal de São Paulo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar organizações não governamentais que atuam com a população em situação de rua no Centro da cidade. Como amplamente divulgado na mídia e nas redes sociais, um dos principais alvos da investigação é o Padre Júlio Lancellotti, pároco da Igreja São Miguel Arcanjo.
A CPI, proposta pelo vereador Rubinho Nunes (UNIÃO), um dos fundadores do grupo de extrema-direita “Movimento Brasil Livre” (MBL) tem como foco investigar as ações – exitosas, destaque-se – promovidas não apenas pelo Padre Júlio e a Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, mas também por entidades defensoras de uma política de redução de danos, como a Craco Resiste.
Onde houver erro, que se leve a verdade: essa CPI constitui clara manipulação política da extrema-direita paulistana, colocando o Padre Júlio Lancellotti como alvo com flagrante fim eleitoreiro. É notória a fama de seu autor, Rubinho Nunes, em judicializar toda sorte de políticas públicas progressistas, caminho que o levou até a Câmara de Vereadores escorado na candidatura a prefeito do então deputado, hoje cassado, Arthur do Val, o “Mamãe-Falei”.
Reconhecido nacional e internacionalmente por movimentos e organizações em prol dos direitos humanos, Pe. Júlio cuida, há mais de duas décadas, dos imemorados, menores infratores, dependentes químicos, pessoas em situação de rua, detentos em liberdade assistida e, de modo geral, de pessoas das camadas carentes da sociedade. Os projetos do religioso atuam onde as iniciativas de auxílio social – de modo premeditado – não chegam e onde as atividades públicas de desamparo aterrorizam. Ainda assim, há lideranças políticas que subvertem os princípios da solidariedade e da justiça para criminalizar aqueles que visam à concretização da bondade.
A proposta de CPI, que esperamos ver abandonada na Câmara Municipal, apresenta a visão da extrema-direita para a cidade de São Paulo e para as políticas relacionadas à população em situação de rua: ao invés do amor, pregam o ódio; ao invés de cuidarem da fome, preocupam-se em criminalizar a pobreza; ao invés de defenderem a Justiça, enveredam no caminho da perseguição.
A comunidade jurídica paulistana não se calará frente a essa perseguição. As Comissões Parlamentares de Inquérito, previstas na Carta Cidadã de 1988 (art. 58, § 3º) e na Lei Orgânica do Município de São Paulo (art. 33), constituem importantes instrumentos para que os Vereadores cumpram com suas funções institucionais de investigação e fiscalização. Uma CPI, portanto, se destina à apuração de matérias de INTERESSE PÚBLICO DO MUNICÍPIO – algo que a CPI do Vereador mostra-se incapaz de apresentar.
O interesse público do Município não está voltado à discriminação daqueles que buscam a efetivação dos direitos previstos na Consituição, mas sim à falta de políticas públicas adequadas para tratar o problema da Cracolândia. Em um cenário no qual uma em cada quatro pessoas em situação de rua no Brasil encontra-se em São Paulo – um assustador número de 55 mil pessoas – é inadmissível que a Casa Legislativa concentre esforços na perseguição de quem combate a aporofobia.
O ataque ao Padre Júlio, descarado e ofensivo, não passará desatento aos olhos da população paulistana e da classe jurídica. Ressaltamos a flagrante motivação eleitoreira dessa CPI, que mostra sua ilegitimidade política e confirma sua ilegalidade jurídica. O compromisso do Padre Júlio Lancellotti com a população em situação de rua e com a defesa dos direitos humanos e sociais não será esquecido ou apagado – por mais que a extrema-direita tente.
São Paulo, 04 de janeiro de 2024
Assinam essa carta:
PESSOAS FÍSICAS
MARIANA MOREIRA BELUSSI, presidente do CA XI de Agosto (FDUSP)
FRANCISCO DE ASSIS DE SOUZA JR., presidente do CA João Mendes Jr (Mackenzie)
CARLOS EDUARDO P. RODRIGUES, presidente do CA 22 de Agosto (PUC/SP)
IOLANDA PIRES RIBEIRO, presidente do CA Antônio Junqueira de Azevedo (FDRP)
IGOR CORRÊA DE MORAES, presidente da Fed. Nacional dos Estudantes de Direito
BIANCA BORGES, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo
LUNA ZARATTINI, vereadora de São Paulo
LUIZ EDUARDO GREENHALGH, advogado e ex-deputado federal
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o KAKAY, advogado
THIAGO AMPARO, professor da FGV Direito SP
CAROL PRONER, advogada e professora
CHICO BUARQUE DE HOLLANDA, escritor e compositor
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, professor titular do DPM/FDUSP
MARIA PAULA DALLARI BUCCI, professora associada ao DES/FDUSP
ARI MARCELO SOLON, professor associado ao DFD/FDUSP
LUCIANO ANDERSON DE SOUZA, professor associado ao DPM/FDUSP
NINA BEATRIZ STOCCO RANIERI, professora associada ao DES/FDUSP
DIOGO ROSENTHAL COUTINHO, professor associado ao DEF/FDUSP
JORGE LUIZ SOUTO MAIOR, professor associado ao DTB/FDUSP
MAURICIO STEGEMANN DIETER, professor doutor do DPM/USP
PEDRO BOHOMOLETZ DE ABREU DALLARI, professor titular do IRI/USP
RENAN QUINALHA, professor de direito da Unifesp e advogado
SILVIA V. S. SOUZA, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB
RAPHAELLA REIS DE OLIVEIRA, advogada e integrante da deFEMde
AMANDA VITORINO, advogada da Rede Liberdade
BRUNA P. CORRÊA DE BARROS, presidente do Departamento Jurídico XI de Agosto
MARCO AURÉLIO CHAGAS MARTORELLI, ex-presidente do CA XI de Agosto
GUSTAVO UNGARO, ex-presidente do CA XI de Agosto
PAULO HENRIQUE RODRIGUES PEREIRA, ex-presidente do CA XI de Agosto
PAULA FARIA MASULK, ex-presidente do CA XI de Agosto
FELIPE NAPOLITANO MAROTTA, ex-tesoureiro do CA XI de Agosto
CARLOS HERCULANO CAPELETTI CUBILLAS, ex-tesoureiro do CA XI de Agosto
RODRIGO SIQUEIRA JÚNIOR, ex-presidente da FENED
JOÃO OTÁVIO PAES DE BARROS, antigo aluno da FDUSP e advogado
CRISTÓVÃO CORRÊA BORBA SOARES, antigo aluno da FDUSP
LILIANE CASTRO DOS SANTOS, antiga aluna da FDUSP
GABRIEL DAMIANOVICH, antigo aluno da FDUSP e advogado
LUCCA LOPES MONTEIRO DA FONSECA, antigo aluno da FDUSP e advogado
RAFAELA MOREIRA HADDAD, antiga aluna da FDUSP e advogada
ARTHUR HALFELD GUERRA,representante discente perante a Congregação da FDUSP
GABRIEL FONTANA CRUZ, representante discente perante a Congregação da FDUSP
DAVI ROCHA TELES, representante discente perante a Congregação da FDUSP
ENTIDADES
CENTRO ACADÊMICO XI DE AGOSTO (FDUSP)
CENTRO ACADÊMICO JOÃO MENDES JR. (MACKENZIE)
CENTRO ACADÊMICO 22 DE AGOSTO (PUC/SP)
CENTRO ACADÊMICO ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO (FDRP/USP)
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES DE DIREITO (FENED)
UEE-SP
REDE FEMINISTA DE JURISTAS (deFEMde)
INSTITUTO DA ADVOCACIA NEGRA BRASILEIRA
MOVIMENTOS MULHERES COM DIREITO
MOVIMENTO ELO - INCLUIR E TRANSFORMAR
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